Pela terceira vez, Estados e municípios perderam a possibilidade de parcelar suas dívidas (precatórios) com pessoas físicas e empresas. A Emenda Constitucional nº 62, de 2009, que oferecia essa possibilidade, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O chamado regime especial de pagamento, previsto na emenda, permitiu o parcelamento em 15 anos de débitos das Fazendas Públicas. As moratórias anteriores autorizavam o pagamento em oito anos e dez anos. A última foi igualmente considerada inconstitucional. “A extensão da ordem temporal [do pagamento] cria na verdade – e esta é uma triste realidade – uma legião de credores desesperados em busca da satisfação de créditos”, afirmou o decano da Corte, ministro Celso de Mello.
Precatórios são dívidas dos Estados e municípios reconhecidas judicialmente. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), essa dívida correspondia a R$ 94 bilhões no primeiro semestre de 2012.
Pela Emenda 62, a Fazenda Pública estava autorizada a quitar os precatórios de duas formas. Uma seria pelo depósito mensal, em conta especial, de 1% a 2% da receita corrente líquida. Para os ministros, nesse caso, não haveria prazo certo para quitar a dívida. Outra alternativa seria o parcelamento em 15 anos. Desses recursos, 50% deveriam ser destinados ao pagamento por ordem cronológica dos títulos. O restante seria pago por um sistema que combina ordem crescente de valor, realização de leilões e negociações diretas com credores.
Por maioria de votos, o Supremo decidiu que esse sistema viola garantias constitucionais. A partir de uma questão de ordem da Procuradoria do Pará e do município de São Paulo, os ministros prometeram fazer uma modulação dos efeitos da decisão para definir como ficarão os pagamentos de credores que já receberam seus créditos por meio de leilões ou negociações com as Fazenda Públicas. “Pretendo propor a modulação o mais rápido possivel”, afirmou o ministro Luiz Fux.
Os debates foram intensos. Ao seguir o voto do relator do caso, ministro aposentado Ayres Britto, seis ministros entenderam que a Emenda 62 viola garantias como o Estado Democrático de Direito, o trânsito em julgado dos processos, o acesso à Justiça e a razoável duração do processo. “Na minha opinião, a solução se prende a uma questão básica: Pode o legislador interferir na efetividade da jurisdição?”, disse a ministra Rosa Weber.
Em diversas ocasiões do julgamento, Fux classificou como moratória uma forma parcelada de pagamento e afirmou que Estados e municípios chegaram a um passivo bilionário com precatórios, em parte, por má gestão dos recursos. “O que há é mau uso do dinheiro público porque a emenda não cria dinheiro para quitar os débitos”, afirmou, ao lembrar do voto do ministro Ayres Britto, que cita o exemplo de um Estado que, em um determinado ano, pagou R$ 1,7 milhão em precatórios e R$ 104 milhões em publicidade.
Os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Dias Toffoli foram contrários à queda da emenda. O entendimento deles foi de que a solução encontrada é melhor do que o regime anterior, que não previa prazo para a quitação dos débitos. “Um é péssimo e o outro [o novo regime] é menos péssimo”, afirmou Teori.
Gilmar Mendes fez um histórico da dívida dos Estados para demonstrar que o regime “é dinâmico e vem induzindo ao pagamento”. Citou o exemplo de Mato Grosso que conseguiu acabar com o estoque de precatórios. Lembrou ainda o caso do Rio Grande do Sul que, em 2003, destinava para pagamento da dívida R$ 2,7 milhões. No ano passado, pagou R$ 796 milhões. São Paulo, segundo Mendes, teria passado de um passivo de R$ 19 milhões, em 2009, para R$ 15 milhões em 2012.
A questão foi analisada por meio de duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) ajuizadas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).