Varig, que teve falência decretada em 2010, alegou perda com Plano Cruzado.
Dinheiro deve ser utilizado para pagar dívidas trabalhistas da extinta aérea.
Mariana Oliveira Do G1, em Brasília
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (12), por maioria de votos (cinco a dois), que a União deve indenizar a extinta companhia aérea Varig pelo congelamento de tarifas durante o Plano Cruzado, entre 1980 e 1990. Para a maioria dos ministros, as medidas econômicas para conter a inflação prejudicaram a empresa, que foi à falência, causando prejuízos aos funcionários.
A decisão foi tomada pelo plenário na análise de um recurso da União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que estabeleceu que a Varig tinha direito à indenização de R$ 2,3 bilhões (em valores de 2002, ainda não corrigidos).
O valor atualizado, segundo a União, é de R$ 3 bilhões, mas, segundo a Varig e ex-trabalhadores da empresa, a quantia corrigida pode superar os R$ 6 bilhões.
O dinheiro deve ser usado para o pagamento de dívidas trabalhistas individuais e com o fundo de previdência Aerus, que reúne ex-funcionários e aposentados pela Varig. A falência foi decretada em 2010. Com a decisão do Supremo, a Vara de Falências do caso Varig vai definir quem tem prioridade para recebimento dos valores.
Só sete dos 11 ministros do Supremo votaram sobre o tema. Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski foram favoráveis à indenização à extinta companhia aérea. O presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, e Gilmar Mendes ficaram vencidos.
Três ministros se declararam impedidos, ou seja, não se consideraram isentos para julgar o caso: Dias Toffoli, que atuou como advogado-geral da União no caso, e Luiz Fux e Teori Zavascki, que já analisaram o tema quando atuavam como ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Fux foi favorável à decisão de indenizar a Varig e Teori, contrário. Além disso, o ministro Marco Aurélio Mello não compareceu à sessão desta quarta.
O caso está na Justiça há mais de 20 anos – em 1993, a Varig entrou com ação na Justiça do Distrito Federal para ser indenizada. Desde então, o processo passou pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e pelo STJ – ambos reconheceram o direito da Varig.
O julgamento no STF começou em maio do ano passado, quando a relatora do recurso, ministra Cármen Lúcia, votou pela indenização à Varig. Na ocasião, o debate foi adiado por um pedido do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo, para analisar melhor o caso.
A Varig alegou ao Supremo que “a diminuição do seu patrimônio líquido seria decorrente da política de congelamento tarifário vigente, no país, de outubro de 1985 até janeiro de 1992, instituída pelo denominado Plano Cruzado, do que adviria a responsabilidade da União pelos danos que a comprometeram.”
A Advocacia Geral da União defendeu no STF que a União não poderia ser condenada “por exercer legitimamente uma de suas funções típicas, de regular o serviço público em prol de toda coletividade, de toda sociedade”.
A Procuradoria Geral da República concordou que “toda coletividade sofreu prejuízos” com o Plano Cruzado e que a Varig não deveria ser indenizada.
A favor da indenização
Em maio do ano passado, a relatora Cármen Lúcia entendeu que, ao congelar as tarifas, o governo atuou de forma “imperativa” e prejudicou o direito de funcionários da Varig.
Ao falar novamente sobre o tema nesta quarta, a ministra destacou que, embora as medidas dos planos econômicos tenham sido lícitas, houve um prejuízo financeiro à Varig e isso deve ser reparado. Segundo Cármen Lúcia, como concessionária de serviço público, a Varig foi obrigada a cumprir o tabelamento de preços e acabou prejudicada. “Houve quebra do equilíbrio econômico-financeiro. Ônus de um lado e serviço a ser prestado de outro.”
Os ministros Rosa Weber e Luís Roberto Barroso destacaram também que não caberia ao Supremo reavaliar provas já analisadas pelas instâncias inferiores.
Magistrado com mais tempo de atuação na Corte, Celso de Mello, frisou que as medidas tomadas pela União foram responsáveis pela situação da Varig. “Houve de maneira explícita a ocorrência de responsabilidade civil da União quanto aos prejuízos sofridos pela Varig.”
Contra a indenização
Ao votar nesta quarta, Joaquim Barbosa destacou que beneficiar a Varig seria “partilha de prejuízo de empresa privada por toda a coletividade”.
“A ação foi protocolada muito antes da revelação do estado de penúria dos fundos dos aeronautas. Em uma época em que ia tudo muito bem para a Varig. A perspectiva de pagamento de indenização pleiteada na ação sobre a qual versa o recurso serviu como garantia contra a má gestão da companhia”, destacou Barbosa.
O presidente do Supremo destacou que, no caso da Varig, a quebra da empresa parece ser fruto de má gestão. “Parece lícito especular que o que pode ter ocorrido foi a dificuldade em ajustar perfil da companhia com o crescimento das concorrentes sem que os gestores tenham conseguido manter os reflexos no custeio das operações internas.”
Barbosa destacou que, caso a Varig fosse beneficiada, outras empresas também deveriam ser indenizadas por conta das medidas do governo federal para estancar a inflação. “Por que indenizar apenas uma companhia se todas as demais empresas brasileiras se submeteram aos efeitos dessa medida de natureza econômica?”
O ministro Gilmar Mendes concordou: “O boteco da esquina e a birosca da Maria fariam jus a um tipo de indenização em face do estado. Isso levaria à responsabilidade universal”, ressaltou.