Suspensão de ONGs ameaça 13º salário no Dieese


Por João Villaverde | De Brasília

Claudio Belli/Valor/Claudio Belli/ValorClemente Lúcio, diretor do Dieese: corte de convênio com Pasta do Trabalho leva entidade a pedir empréstimo às centrais sindicais para cobrir despesa trabalhista 

A suspensão unilateral de todos os convênios mantidos pelo governo federal e organizações não governamentais (ONGs) atingiu em cheio o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Com pouco mais de R$ 7 milhões em convênios com o governo, em especial com o Ministério do Trabalho, e outros R$ 3 milhões que estavam em negociação avançada, o Dieese ficou, da noite para o dia, sem R$ 10 milhões que esperava ter em seu caixa entre outubro e dezembro. Segundo o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, a instituição está na “antessala de uma enorme crise econômica” – a mais grave em 56 anos de vida.

Criado e mantido pelo movimento sindical, o Dieese tem o equivalente a um terço de seu orçamento anual de R$ 30 milhões sustentado por contratos com o setor público – tendo o governo federal como a principal fonte de receita dentre as três esferas de governo. Com uma estrutura de 80 postos de trabalho (entre subseções do Dieese nos sindicatos e sedes regionais) espalhados em 17 Estados, o Dieese está diante da curiosa possibilidade de acumular passivo trabalhista com seus 290 funcionários.

Isso ocorre devido à necessidade imediata de obter R$ 1 milhão para o pagamento do 13º salário de seu pessoal, dinheiro que o Dieese esperava utilizar dos recursos que receberia dos convênios com o governo Dilma Rousseff. Suspensos desde outubro, na esteira da crise desencadeada no Ministério do Esporte, os convênios do governo com as ONGs podem não ser retomados em dezembro. Diante da emergência, o Dieese reuniu ontem seu conselho político para definir um aporte extraordinário com seus mantenedores – as centrais sindicais e os cerca de 700 sindicatos associados à entidade.

O acordo fechado com as sete centrais sindicais envolve o empréstimo-ponte de R$ 1 milhão para cobrir as despesas trabalhistas. Contribuirão as seis centrais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho, isto é, que recebem anualmente uma parcela do imposto sindical pago por todos os trabalhadores formais brasileiros. São elas: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e Central Geral de Trabalhadores do Brasil (CGTB). Além delas, a Conlutas, central ligada ao PSTU e que não recebe o imposto sindical, também participará.

As seis centrais embolsaram, ao longo deste ano, cerca de R$ 120 milhões oriundos do imposto sindical. Além das centrais, a direção do Dieese deve buscar os maiores sindicatos dentre os 700 associados – nesta lista estão o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à CUT, e o Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba, ligado à Força Sindical.

“Estamos com um déficit orçamentário gravíssimo”, afirmou Lúcio ao Valor, para quem o diálogo do Dieese com o governo ocorrerá apenas após a liberação dos recursos para os convênios com ONGs, e será centrado na defesa de um marco regulatório para o trabalho das ONGs. “O governo fez uma medida extrema, que foi penalizar organizações que mantêm convênios importantes com o setor público, há duas ou três décadas, como é nosso caso, devido à má utilização de recursos por parte de uma minoria”, disse o diretor-técnico do Dieese.

O mais recente fruto de um dos convênios entre o governo e o Dieese foi o estudo sobre a rotatividade no mercado de trabalho divulgado na semana em cerimônia conduzida pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, na sede do ministério em Brasília.

O principal e mais tradicional trabalho da instituição, a mensal Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), está sendo mantido “no limite do orçamento”, afirmou Lúcio. Realizada desde 1985 em São Paulo, a PED é colhida e trabalhada mensalmente em diferentes capitais – cada uma fecha um convênio individual com a respectiva sede regional do Dieese – e depois consolidada nacionalmente, num convênio com o Ministério do Trabalho.

“Mesmo sem dinheiro, não podemos parar a PED”, afirmou Lúcio. “É a única série histórica ininterrupta do mercado de trabalho brasileiro, se pararmos a pesquisa jogamos quase 30 anos de dados no lixo, porque estatística não pode ser descontinuada”.