Trabalho doméstico envolve mais de 15 milhões de crianças em todo o mundo

Carolina Sarres

Mais de 15 milhões de crianças e adolescentes no mundo estão envolvidos em algum tipo de trabalho doméstico, remunerado ou não, na casa de terceiros. O número corresponde a cerca de 30% de todos os empregados domésticos no mundo. Desse contingente de menores de 18 anos, 8,1 milhões executam atividades consideradas perigosas (52% do total) e cerca de 10,5 milhões não chegam a ter 16 anos. As meninas representam 73% das crianças e adolescentes que exercem tarefas domésticas.
 
Os dados são do relatório Erradicar o Trabalho Infantil no Trabalho Doméstico, divulgado hoje (11) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Amanhã (12), comemora-se o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.
 
As atividades executadas por essas crianças e jovens são as mesmas de adultos, como limpar a casa, cozinhar, cuidar de jardins, carregar peso, cuidar de idosos e, não raramente, de outras crianças, poucos anos mais novos. De acordo com a OIT, o trabalho infantil faz que crianças e adolescentes se tornem vulneráveis à violência física, psicológica e sexual.
 
As atividades domésticas podem ser enquadradas entre as piores formas de trabalho infantil, segundo a Convenção 182 da OIT sobre o tema, por pressupor a execução de tarefas não adequadas à idade, penosas ou degradantes. No Brasil, o decreto que estabelece as 89 piores formas de trabalho infantil cita o trabalho doméstico como uma delas.
 
Isso se deve ao tipo de tarefa executada e também, em grande parte, à dependência que os menores têm do empregador, tanto financeira quanto psicológica. Muitas crianças são retiradas do convívio da família para serem “criadas” pelo patrão, que fornece comida, roupas e alojamento em troca do trabalho. “[A criança] trabalha, mas não é considerada um trabalhador e, ainda que viva em um ambiente familiar, ele, ou ela, não recebe o tratamento de um membro da família”, ressalta  a OIT.
 
Segundo a organização, o afastamento da família e a ausência de proteção jurídica encobre um “acordo de exploração”, que submete a criança a longas horas de trabalho, ausência de liberdade e situações de perigo. Essa condição fictícia de membro da família faz que a fiscalização e a constatação da existência do trabalho infantil sejam praticamente inviabilizadas.
 
No Brasil, por exemplo, não há nenhum tipo de legislação diferenciada para a fiscalização de casos de exploração de mão de obra no âmbito doméstico – tanto infantil quanto adulto. A inspeção em domicílios é dificultada pela inviolabilidade do lar, prevista na Constituição Federal. Um fiscal do trabalho só pode entrar em uma casa com autorização judicial e acompanhado pelo proprietário. Caso a pessoa seja, de fato, culpada, a probabilidade de se permitir a fiscalização é quase inexistente.
 
No projeto de lei (PL) sobre os direitos dos empregados domésticos, recentemente aprovado pela comissão mista de parlamentares no Congresso – que segue para votação nos plenários da Câmara e do Senado –, tentou-se incluir um regime de fiscalização diferenciado em casos de exploração de mão de obra infantil. A cláusula, no entanto, não teve o respaldo dos senadores e deputados, que optaram por manter o que estabelece a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – que é a legislação seguida atualmente.
 
Se o projeto for aprovado, o trabalho doméstico será proibido para menores de 18 anos. Atualmente, ele é oficialmente permitido para maiores de 14 anos, em regime de aprendizado, e para maiores de 16, se a atividade exercida não comprometer os estudos, nem for exaustiva, perigosa e noturna.
 
Para OIT, o combate ao trabalho infantil doméstico é uma meta para o desenvolvimento, por estar relacionado a diversas outras questões ligadas à pobreza e à exclusão social – como a deficiência de redes de proteção à infância e à adolescência, a disparidade de renda na sociedade, a questão de gênero, a discriminação racial, a deficiência do sistema educacional, a violência doméstica e o êxodo rural.
 
De acordo com o relatório da organização, o tema envolve ainda a transgressão de direitos humanos. Como pessoas, essas crianças não têm acesso a direitos fundamentais, como a dignidade, a liberdade e o direito à infância. Como trabalhadores, que nem deveriam ser, não têm acesso a direitos trabalhistas básicos. Os dois fatores também dificultam a inserção futura da criança ou do adolescente no mercado de trabalho, devido à deficiência educacional e à dificuldade de se firmar em postos de trabalho decentes.