TST começa a aplicar súmula sobre convenção coletiva

Por Adriana Aguiar | De São Paulo

Dois antigos trabalhadores da extinta Brasil Telecom, hoje Oi, conseguiram garantir o pagamento de participação nos lucros para aposentados, previsto em cláusula da convenção coletiva de 1969, que não teria sido expressamente revogada em negociações posteriores. Os ministros do órgão máximo do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), aplicaram ao caso a nova redação da Súmula nº 277, alterada em setembro. O texto diz que os benefícios concedidos aos trabalhadores passaram a integrar os contratos individuais, serão automaticamente renovados e só revogados se houver uma nova negociação.

Se esse entendimento prevalecer nas próximas decisões da Corte, o impacto sobre as empresas poderá ser imenso, segundo advogados trabalhistas. Isso porque as companhias terão de pagar aos trabalhadores que entrarem na Justiça valores referentes a benefícios antigos, não expressamente cancelados.

Apesar desse julgamento, há ministros no TST que entendem que esse novo entendimento só poderá ser aplicado nas novas convenções e acordos coletivos, firmados após setembro deste ano, quando a súmula foi modificada. Essa solução é conhecida no meio jurídico como modulação dos efeitos e poderia diminuir o impacto dessa alteração.

É o caso da 4ª Turma, onde os ministros foram unânimes ao decidir a favor da Ferrovia Centro Atlântica, sucessora da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), hoje Vale. No processo, um ajudante de maquinista pedia a manutenção de parcela, suprimida pela RFFSA em 1999, relativa a horas de viagem, previstas em uma antiga norma regulamentar que não teria sido cancelada.

Segundo o relator do processo, ministro Vieira de Mello Filho, a alteração da jurisprudência “deve ser sopesada com o princípio da segurança jurídica”. Isso porque a Corte alterou significativamente seu entendimento ao revisar a súmula. Nos últimos 24 anos, o entendimento do próprio TST foi o de que as vantagens negociadas entre empresas e trabalhadores valeriam enquanto vigorasse o acordo, no prazo máximo de um ou dois anos, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para mantê-los em uma próxima convenção era necessária nova rodada de negociação.

O advogado, professor de direito do trabalho da USP e membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fecomercio, Cassio Mesquita Barros, afirma que o tribunal ratificou a súmula nesse julgamento da SDI-1. “O que é uma flagrante ilegalidade, já que não existem cláusulas eternas, conforme prevê a própria CLT ao dar validade máxima de dois anos a esses acordos”, diz. Para ele, essa interpretação é “muito perigosa” e pode ter um impacto enorme sobre as empresas. Porém, segundo Barros, “as companhias farão uma campanha ferrenha contra a aplicação desse texto”.

A Fiesp encaminhou ao presidente do TST uma representação contra essa súmula e outras editadas recentemente. A Corte, no entanto, ainda poderá mudar esse posicionamento, pelo menos com relação à aplicação dessa súmula a casos anteriores. “Até porque muitos dos ministros não concordam com essa aplicação”, afirma Barros.

Como no caso analisado pela Subseção I, a nova redação da súmula foi imediatamente aplicada sem que houvesse qualquer discussão, a advogada Carla Romar, professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também levanta a possibilidade de que os ministros possam tratar do tema com mais profundidade em outros julgados. Isso poderia ocorrer porque a relatora, ministra Delaíde Miranda Arantes, apenas manteve a decisão da 2ª Turma contra a Brasil Telecom por entender que estaria em sintonia com a nova redação da Súmula 277 do TST. Sem oposições, os ministros não conheceram o recurso por unanimidade.

Para Carla, se as turmas começarem a julgar pela não aplicação da súmula nas convenções ou acordos antigos, a discussão poderá ser novamente suscitada na SDI-1, responsável por uniformizar o entendimento sobre o tema. A advogada relembra que a alteração da Súmula nº 277 teve votação acirrada entre os ministros. Foram 15 votos a favor da nova redação e 11 contra. O texto ainda foi aprovado sem que houvesse precedentes, requisito necessário, conforme o regimento interno do TST. Já para as próximas convenções e acordos coletivos, a advogada afirma ter diversas palestras agendadas para o ano que vem sobre o tema. “Muitas companhias já não vão querer dar novos benefícios.”

O juiz do trabalho Rogério Neiva Pinheiro também acredita que a SDI-1 ainda possa retomar o tema e ao menos modular a aplicação da súmula. Apesar de ainda não ter julgado ações sobre essa questão após a edição do novo entendimento, Neiva afirma que está preocupado com o número de litígios que possam surgir, caso não haja uma limitação pelo TST. “Os advogados podem fazer um levantamento dos benefícios que foram perdidos e pleiteá-los na Justiça”, diz.

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Ferrovia Centro-Atlântico informou que a empresa prefere não se manifestar. A assessoria de imprensa da Oi não retornou até o fechamento da edição.