O Tribunal Superior do Trabalho (TST) publicou uma orientação com regras para evitar a aplicação indiscriminada por juízes da chamada prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho. Incluída pela reforma trabalhista, a medida prevê a extinção, na fase de execução, de processo que ficar sem movimentação, pelo autor da cobrança, no prazo de dois anos.
A prescrição intercorrente está prevista, de forma genérica, no artigo 11-A da Lei nº 13.467, de 2017. Antes, não havia previsão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A possibilidade preocupa advogados de trabalhadores. Alegam que o autor de um processo pode levar anos para ter direitos reconhecidos pela Justiça e ficar sem receber nada se não movimentá-lo, após a decisão, em busca de bens do devedor.
Hoje, 42% dos processos julgados pela Justiça do Trabalho não são finalizados por falta de pagamento ou localização de bens de devedores. A taxa de congestionamento consta do relatório Justiça em Números 2017 (ano-base 2016), divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Advogados de empresas, por sua vez, consideram a medida positiva. Mas entendem que a Recomendação nº 3, editada no dia 24 de julho pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, cria obstáculos não previstos na CLT ou Constituição Federal para a aplicação da prescrição intercorrente.
De acordo com a recomendação, a prescrição somente deverá ser reconhecida após expressa intimação do autor para cumprimento de determinação judicial no curso da execução – como indicação de bens para penhora. Na intimação, o magistrado deverá indicar com precisão qual determinação deverá ser cumprida e quais as consequências do descumprimento.
O prazo de dois anos, segundo a norma, começará a ser contado a partir do descumprimento da determinação judicial – que só será válida após 11 de novembro de 2017, data da entrada em vigor da reforma.
Esse prazo, no entanto, não deverá correr quando não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, segundo a norma. Nesses casos, segundo a recomendação, o juiz deve suspender o processo e assegurar ao credor o desarquivamento oportuno para dar seguimento à execução.
A previsão mais polêmica para advogados de empresas está no parágrafo 3º do artigo 5º. O dispositivo afirma que não se pode determinar o arquivamento dos autos, provisório ou definitivo, antes da realização de atos de pesquisa patrimonial, com uso dos sistemas eletrônicos – Bacenjud [dinheiro], Infojud [informações da Receita Federal], o Renajud [veículos] e o Simba [investigação de movimentações bancárias] -, e da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade reclamada.
O advogado Aldo Martinez Neto, sócio trabalhista do Santos Neto Advogados, diz que, apesar da regulamentação dar mais segurança, alguns pontos da norma extrapolaram o limite do que poderia ser recomendado. Entre esses pontos estaria o uso pelo juiz, por conta própria, das ferramentas de busca de bens.
A medida, segundo o advogado, contraria o que dispõe o artigo 878 da CLT, introduzido pela reforma. Esse dispositivo diz que “a execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo presidente do tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado”. Hoje, acrescenta, são raros os processos em que as partes estão sem advogado. “O juiz, então, não poderia fazer essa busca de bens sem ser provocado”, afirma.
O advogado trabalhista Daniel Chiode, sócio do Chiode Minicucci Advogados, também entende que o TST incluiu requisitos para a decretação da prescrição intercorrente que não estão previstos na CLT e menos ainda na Constituição. Para ele “a inércia do interessado implica perda do direito, não cabendo ao Estado provocar aquele que não se mostrou interessado”.
“Há uma regra do direito romano que diz que o direito não socorre os que dormem”, afirma Chiode. “Em nenhum lugar foi dito que a aplicação deste princípio impõe ao Estado dar uma última chance ao dorminhoco.”
A recomendação da Justiça do Trabalho ainda determina que, antes do arquivamento, provisório ou definitivo, o juízo da execução deve determinar a inclusão do nome do executado no Banco Nacional dos Devedores Trabalhistas e nos cadastros de inadimplentes, além de promover o protesto extrajudicial da decisão judicial.
Para o advogado que assessora trabalhadores, Fernando Hirsch, sócio do LBS Advogados, a recomendação do TST, no entanto, traz mais segurança para o uso da prescrição intercorrente, uma vez que são frequentes as execuções frustradas. “Esses processos às vezes eram enviados para o arquivo e depois acontecia algo para a retomada da execução. Agora, com a reforma, correm o risco de serem extintos, caso não haja movimentação em dois anos”, diz.
Apesar de ser contrário ao uso da prescrição intercorrente, “já que se tratam de créditos alimentares”, o TST, segundo ele, estabeleceu ao menos diretrizes mais claras para sua aplicação. ” A recomendação, que em geral é seguida mesmo sendo uma referência, deve evitar eventuais abusos dos magistrados.”