Andréia Henriques
SÃO PAULO – O Tribunal Superior do Trabalho (TST) vai mudar a redação de sua Súmula 331, que trata sobre terceirização e responsabilidade das prestadoras e tomadoras de serviço. Isso porque, no final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a inadimplência dos encargos trabalhistas de um contratado pelo poder público para prestar serviços não transfere ao governo (estados, municípios e União) a responsabilidade pelo pagamento. A súmula diz exatamente o contrário: que a administração pública responde automaticamente pelos direitos não pagos. O ministro Milton de Moura França, presidente do TST, afirmou com exclusividade ao DCI que a mudança deve ocorrer em fevereiro.
A modificação, segundo ele, será feita para que a súmula se ajuste à nova realidade colocada pelo Supremo. Logo na volta do recesso, o ministro deve encaminhar o caso para uma comissão de jurisprudência, que terá um relator e emitirá um parecer. O tema será então discutido pelo Tribunal Pleno, composto pelos 27 ministros do TST.
“Pretendo submeter à apreciação do Pleno antes de deixar a presidência, no dia 2 de março. Isso tem uma repercussão muito grande em toda a Justiça do Trabalho e exige urgência”, diz o presidente, que será substituído pelo ministro João Oreste Dalazen.
O inciso IV da súmula diz que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista”. Para o presidente do TST, a simples supressão (a partir do “inclusive”) não seria razoável. “Vamos discutir qual a melhor técnica. Para mim, o melhor é fazer uma adaptação da redação”.
Ele é enfático ao lembrar que a decisão do Supremo, dada no final de novembro de 2010 em ação declaratória de constitucionalidade (ADC 16) ajuizada pelo governo do Distrito Federal, não declarou a súmula inválida. “A decisão não afastou a súmula do mundo jurídico. Ela apenas esclareceu que caberá à Justiça do Trabalho, ao aplicar o dispositivo, examinar caso a caso se houve negligência por parte do estado, se ele agiu com culpa ou omissão ao contratar e fiscalizar a prestadora de serviços”, afirma.
Em outras palavras, se ficar comprovada essa culpa, o estado continuará sendo responsável. Não há, portanto, fundamento no temor de alguns advogados que acreditavam que o empregado ficaria desamparado sem poder contar com a União como responsável subsidiário pelo pagamento das verbas trabalhistas. “Não há essa possibilidade. Será necessário apenas explicitar a responsabilidade do estado. Se houver culpa, não há dúvida alguma”, diz o magistrado.
O ministro nega que o Supremo tenha decidido contra a jurisprudência firmada na Justiça do Trabalho, que deu origem à Súmula 331. “Ele fez apenas uma espécie de modulação do que estava sendo decidido aqui”, afirma o comandante do TST.
O Supremo, com a decisão, disse que não é automática a responsabilização da União, ou seja, cada caso tem que ser analisado para ficar demonstrada a culpa e o TST não pode mais generalizar – deve haver cautela. Antes, a Justiça do Trabalho reconhecia que cabia à administração pública responder automaticamente, após o descumprimento da prestadora de serviços.
Mesmo com a mudança, o entendimento da Justiça do Trabalho não deve ser drasticamente alterado já que grande parte da inadimplência ocorre mesmo por falta de fiscalização do poder público. “Se faço um contrato com uma empreiteira, por exemplo, para construir uma estrada, só pago depois que é realizada a medição e constatação de que foi feito o trabalho. Quando o estado contrata, no valor do serviço prestado também estão incluídos os encargos trabalhistas. Ora, é interesse deles examinar se isso está sendo pago ou não”. Para o ministro, uma vez que há inadimplemento, quando comprovadamente não houve recolhimento de fundo de garantia ou não pagamento de salário, por exemplo, quem tem a responsabilidade primeiro é a contratante. “Se for comprovado esse fato, me parece que ela é responsável, a menos que faça prova muito segura de que não teve participação. Quem deve fiscalizar em primeiro lugar é quem contratou”.
Mudanças
A revisão da Súmula 331 deve ser pontual. A questão ainda polêmica – e, para analistas, subjetiva – de definir qual a atividade-meio da empresa tomadora de serviço, hipótese em que o TST admite a terceirização não devem ser analisados, não será analisada. Bem como a terceirização nas áreas de telecomunicação e energia, setores que possuem leis específicas que permitem a prática, casos que têm entendimentos controversos no próprio TST. “O Supremo não mexeu nisso. Esses temas são objeto de outros processos em trâmite no TST”, diz.
No entanto, alterações virão, em outros temas. “Há coisas que realmente já estão sendo estudadas, mas não tenho como precisar quais serão”, adianta o presidente. Nos últimos quatro anos, segundo ele, foi feita uma boa revisão nas normas do tribunal.
Daniel Chiode, sócio do Demarest e Almeida Advogados, acredita que 2011 será um ano em que será provocada a revisão de algumas súmulas ou a edição de novas. “Se, por um lado isto demonstra que o TST é dinâmico e não alheio às modificações da sociedade, por outro, gera relativa insegurança jurídica. Porém, não acho isso ruim. Direito é vivo e dinâmico e tem que acompanhar as mudanças sociais”, afirma o especialista.
Supremo
O Supremo, no dia 24 de novembro de 2010, declarou constitucional o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666, de 1993, a chamada Lei de Licitações, que, segundo o governo do DF, estaria sofrendo retaliação, em especial do TST. Além da União, os governos da maioria dos estados e de muitos municípios entraram na ação como interessados. Com a decisão do STF, o plenário deu provimento a diversas reclamações ajuizadas contra decisões do TST e de Tribunais Regionais do Trabalho fundamentadas na Súmula 331. A ministra Cármen Lúcia, do Supremo, cassou quatro decisões do TST baseadas na súmula.