Transporte público precário e engarrafamentos tornam a viagem diária um sofrimento, o que diminui o convívio com filhos e as horas de sono.Vanessa Lima sai de casa às 4h30m da manhã, no extremo da Zona Leste de São Paulo.
Embarca em quatro linhas de ônibus diferentes e no metrô, até chegar às 8h30m no trabalho, que fica na Zona Norte da capital paulista. A jornada de quatro horas no transporte é uma rotina exaustiva que Vanessa deve enfrentar ainda por muito tempo.
A série sobre sete famílias brasileiras que foram acompanhadas pelo GLOBO revela, no segundo dia, os sacrifícios impostos pela difícil mobilidade urbana nas grandes cidades — fato que levou, num primeiro momento, às manifestações pelo país em junho.
A reivindicação inicial, impedir o aumento das tarifas de ônibus, foi alcançada. A tarifa menor, uma das vitórias do movimento, mexeu com o orçamento, mas o transporte público ruim e a paralisação do trânsito das grandes metrópoles ainda sacrificam boa parte do dia dos trabalhadores brasileiros. De Vanessa, a situação toma o tempo do convívio com a filha Isabella, de 7 anos, e o do sono. Não por acaso, um de seus desejos para 2014 é conseguir ter uma noite de sono de oito horas.
– A parte mais difícil do meu dia é no transporte público. Vejo a prefeitura falando dos muitos quilômetros de corredor de ônibus, mas a nossa vida não melhorou nada porque não há carros novos. O jeito vai ser eu, com mais de 30 anos, tirar a habilitação e ser mais um carro no engarrafamento de São Paulo. Engarrafado por engarrafado, melhor ficar sentada, com rádio ligado e no ar condicionado.
A diarista Solange Moraes sai de casa às 6h da manhã. A viagem de trem ou de van de Saracuruna, bairro de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, até a casa na qual trabalha alguns dias por semana, no Leblon, na Zona Sul do Rio, leva duas horas. Depois de desembarcar do trem na Central do Brasil, leva mais 40 minutos de ônibus até o trabalho.
– A viagem de volta pode ser até mais demorada, depende do trânsito – diz Solange.
– A gente sabe que horas sai do trabalho, mas não sabe que horas chega em casa – conta Lucas Moraes, um dos filhos de Solange que mora com ela. Ele trabalha em Bangu, Zona Norte do Rio.
O recuo no reajuste das tarifas de ônibus refletiu no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), taxa medida pelo IBGE que orienta o sistema de metas de inflação do governo. A tarifa de ônibus urbano ficou estável, assim como as de trem e metrô. Só o ônibus interestadual subiu acima da inflação média: 7,51% contra 5,77%. As tarifas de ônibus intermunicipais subiram 3,16% nos últimos 12 meses.
Mesmo fora do eixo Rio-São Paulo, o transporte é fonte de estresse e de custo alto. Em Belém, onde mora a família de Jaffre Moraes e Edinete Veras, o gasto com gasolina ficou maior diante dos engarrafamentos. As obras para implantar o corredor de ônibus acontecem exatamente na rua onde a família mora, uma das mais congestionadas da cidade. Edinete usa o carro para levar à escola os dois filhos, Vithor, de 16 anos, e Vitória, de 7 anos. Em fevereiro, o gasto com gasolina era de R$ 280. Com aumentos sucessivos no consumo, chegou a R$ 350. E a despesa deve subir com o reajuste da gasolina anunciado pela Petrobras de 4% no fim do mês passado.
– É um conforto. É claro que gostaríamos de ter um carro melhor, mas é o que podemos pagar.
Participação nas manifestações de junho
Segundo José Raimundo Trindade, professor de economia regional e urbana da Universidade Federal do Pará, Belém “é uma cidade parada”:
– A questão da mobilidade urbana é o principal problema de Belém. Só há uma via de entrada e saída da cidade, a BR-316. As manifestações pararam completamente a cidade por três dias.
Mesmo com o transporte ruim, a participação nas manifestações foi tímida. Vanessa, a que tem a rotina mais estafante, viu tudo a distância. Solange quis participar, mas o pesado dia a dia não deixou:
– Vi o movimento no metrô, vi as caras pintadas, deu uma vontade de estar lá, mas não deu.
A família de Laurício Cruz mora a 40 quilômetros do plano piloto de Brasília, mas não gasta muito tempo no trânsito. Ao contrário dos filhos Matheus, de 20 anos, e Felipe, de 23 anos. Os dois participaram dos protestos. Felipe foi para a manifestação na Esplanada dos Ministérios. Já havia invadido a Câmara Legislativa, em 2010, durante os protestos contra o então governador José Roberto Arruda, após a descoberta de um esquema de corrupção no Distrito Federal, o chamado mensalão do DEM. Para Felipe, o objetivo foi marchar contra a corrupção. Matheus disse que os protestos buscavam o reconhecimento dos direitos da população:
– Tem que ter transporte público de qualidade, com todos os impostos que pago. Tem que ser “padrão Fifa”.
Laurício diz que “está no DNA”. O veterinário participou de protestos na juventude.