Um costume antigo utilizado por empresas de publicar anúncios em jornais convocando o empregado que tem faltado ao trabalho para que retorne, sob pena de abandono de emprego, tem gerado condenações por danos morais na Justiça do Trabalho. A prática que até a pouco tempo era considerada usual para demitir o funcionário por justa causa, costuma gerar indenizações que giram em torno de R$ 2 mil a R$ 5 mil.
Para os juízes, esse aviso tem que ser dado de forma privada. Essas condenações já têm se tornado tendência nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Em março, a 1ª Turma do TST condenou uma empresa a pagar R$ 3 mil de indenização a uma ex-empregada por ter publicado um anúncio, por três dias consecutivos, em jornal de grande circulação, convocando-a para voltar ao emprego sob pena de ser demitida por justa causa.
Para o relator, ministro Hugo Carlos Scheuermann, a empresa deveria ter notificado a funcionária diretamente, por via postal “ou outra forma direta e minimamente expositiva, preservando ao máximo a privacidade”, diz a decisão.
Na ação, a trabalhadora alegou que estava afastada por cumprir um tratamento de saúde, e que a empresa, mesmo conhecendo seu endereço, publicou notas no jornal, com a intenção de expô-la ao ridículo. Como não demonstrou que a funcionária não foi localizada antes dos anúncios, os ministros reformaram decisão de segunda instância e condenaram a companhia.
Pelo mesmo motivo, uma empresa foi condenada pelo TRT de Santa Catarina a indenizar em R$ 5 mil por danos morais. A companhia divulgou no anúncio até mesmo o número da carteira de trabalho de uma atendente, que não retomou suas atividades após o período de licença-maternidade.
Segundo a decisão da relatora, desembargadora Tânia Maciel de Souza, “a mera e irresponsável publicação de nota de abandono de emprego sem antes buscar o contato por outras vias com o empregado é totalmente abusiva, sendo efetivamente depreciativa”.
Para a magistrada, incidiria o artigo 17 do Código Civil. O dispositivo prevê que: “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória”. O processo foi encerrado em maio.
Segundo o advogado trabalhista Fernando Cassar, do Cassar Advocacia, a jurisprudência majoritária da Justiça trabalhista é de condenar a companhia. “Algumas empresas ainda estão vinculadas a uma prática antiga, em uma época em que não se exercia tanto o direito ligado ao dano de imagem e da dignidade da pessoa humana”.
Não há lei que proíba os anúncios, de acordo com Cassar, mas há uma construção no entendimento da Justiça Trabalhista a partir dos anos 2000 de condenar o costume. “Antes a própria Justiça aceitava esse anúncio. Porém, depois começou a entender que qualquer tipo de publicização que comprometa a imagem da pessoa pode ensejar dano moral”. O mesmo tem ocorrido com as empresas em relação às anotações na carteira do trabalho, quando há demissão por justa causa ou acordo judicial.
A Justiça do Trabalho ainda passou a entender que o anúncio em jornal não tem eficácia para comprovar abandono de emprego. Em decisão da 10 ªTurma do TRT paulista, os desembargadores entenderam que “haja vista a pluralidade dos meios de comunicação” não seria possível presumir que o trabalhador tenha lido este ou aquele jornal para verificar se está sendo convocado a retornar ao trabalho. Para isso, segundo a decisão, a empresa “deve expedir convocação direta, utilizando-se como realizou a reclamada no caso em tela para comunicar a justa causa, de telegrama”.
Para evitar transtornos, Cassar recomenda que as empresas atualizem com frequência o endereço de seus funcionários e, nos casos de faltas não justificadas, envie telegramas para a residência. “Já que o telegrama é uma correspondência convencional e inviolável”. Se a companhia comprovar que entrou em contato e não obteve retorno, isso já tem servido de prova para manter a justa causa no Judiciário. Diante de novas tecnologias, a companhia pode tentar outros meios de contato como e-mail ou Whatsapp, por exemplo. “Mas jamais deve tornar essa informação pública, ou seja, não deve utilizar além dos jornais e redes sociais”.
O professor de Direito do Trabalho da Unifesp e da FGV Rio Túlio Massoni, também concorda que a publicação em jornal não é mais necessária. Até porque a Súmula nº 32, de 2003, do TST, já tem o entendimento de que o abandono de emprego está presumido se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 dias após a cessação do benefício previdenciário sem justificar o motivo. Porém, segundo o professor, é recomendado que a empresa procure o funcionário por telegrama, e-mail ou carta para reunir provas de que houve o abandono, caso haja uma eventual discussão judicial. “Fora esses meios pode haver muita exposição do trabalhador”, diz.
Há casos, porém, em que a condenação, em razão de anúncio, foi afastada. Segundo decisão do TRT do Mato Grosso do Sul, “é comum na seara dos contratos trabalhistas a publicação em jornal de edital de convocação de empregado ao trabalho, e não comprovando o autor que sofreu dano, não se caracteriza ilícito que enseje a indenização por danos morais”.