Com carteira, a gente sente estabilidade, diz ex-CLT que virou empreendedora 

Confeiteira diz que não faz dívida no longo prazo e compra apenas quando tem dinheiro 

Flavia Lima

“Com carteira assinada, a gente sente estabilidade, sabe que, mesmo se for despedido, tem a rescisão”, diz Elisa Betty Costa, 45.

A comerciante explica de forma clara o que estudos sugerem: a dinâmica do consumo muda na informalidade.

Costa atuou por 25 anos no ramo da nutrição, revezando-se entre cozinhas industriais e hospitais. Em março de 2017, deixou o emprego em uma padaria. Pensou que voltaria logo ao mercado formal de trabalho, o que não ocorreu. Abriu uma pequena confeitaria no fim de 2017.

“Cortei gastos e não faço dívida de longo prazo porque a batalha na conquista do cliente é diária. Ou junto dinheiro e compro ou não compro”.

Para Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria, a expectativa é que a alta informalidade no mercado de trabalho se mantenha.

“Quando se olha o padrão de outras crises, a recuperação da contratação formal demora um pouco mais”, diz.

Em suas contas, o estoque de empregados deve crescer 2,2 milhões neste ano, mas boa parte disso continuará vindo do mercado informal.

Como exemplo, cita a projeção para o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o balanço de empregos formais, que deve ficar ao redor de 900 mil.

REAJUSTE MENOR

Mesmo em níveis muito diferentes, a renda média real de formais e informais mostrou discreta melhora em 2017. Neste ano, ela dá sinais de fraqueza inclusive entre os empregados com carteira, o que pode ser mais um fator a abalar o poder de compra.

Entre os com carteira, o reajuste real dos salários ficou em 0,6%, em fevereiro, ante 0,9% em janeiro e 1% em dezembro, segundo boletim da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

Xavier, da Tendências, adiciona outro ponto de preocupação: a reforma trabalhista deve elevar as vagas formais de trabalho, mas a qualidade delas pode ser inferior.

A possibilidade de contratação por hora trabalhada reduz o custo do trabalho, com efeito sobre a contratação.

“Mas não é uma entrada ideal no mercado de trabalho. O trabalhador pode ter carteira assinada, mas trabalhar uma hora ou duas horas na semana. Qual a qualidade disso?”, questiona Xavier.

Para ele, só a reforma trabalhista não garante a qualidade das vagas. A economia precisa crescer, diz.

Bruno Ottoni, pesquisador do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas, pondera que o informal também consome. Além disso, há trabalhadores sem carteira que não estão em situação precária, como os ‘PJ’ (pessoa jurídica).

Para Ottoni, a informalidade deve seguir em níveis elevados, seja em razão das incertezas eleitorais seja pelo preço alto do trabalho.

Como ficará o consumo nesse cenário é resumido pela confeiteira Elisa Betty Costa. “Sem carteira, a realidade de consumir é outra”.