Marli Olmos | De São Bernardo do Campo
Schiemer ao lado do protótipo da nova geração Mercedes: “Crescimento do BRICS favorece mais o jovem do que a Europa”
Pela primeira vez desde que encerrou a produção do Classe A em Juiz de Fora (MG), em 2005, a direção da Mercedes-Benz fala em voltar a produzir automóveis no Brasil. Trata-se, por enquanto, de estudo, avisa Philipp Schiemer, no comando mundial de vendas e marketing da marca alemã. A decisão, diz o executivo, será tomada daqui a alguns meses.
A posição da Mercedes mudou em pouco tempo. Foi o próprio Schiemer que há cinco meses, durante entrevista no salão de Frankfurt, afastou qualquer possibilidade de a empresa voltar a produzir carros no Brasil, mesmo com a notícia de que a rival BMW se prepara para anunciar um investimento no país em breve.
O que fez a marca alemã mudar de ideia? “As coisas agora estão um pouco melhores”, diz Schiemer. “Notamos no Brasil um crescimento de vendas sustentado”, completa. Tratar do estudo sobre a viabilidade de voltar a ter uma fábrica de automóveis no país foi um dos motivos que o trouxeram ao Brasil na semana passada. “Entre outras coisas”, disse o executivo antes de retornar para Stuttgart, sede da companhia.
Um sério obstáculo para os novos planos da montadora é a falta de regras para a cobrança de Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) nas novas fábricas.
Se estivesse já definido, o projeto da Mercedes entraria na fila onde já estão, além da BMW, as chinesas JAC Motors e Chery, a inglesa Land Rover e a coreana Ssangyong. Depois de inúmeros encontros com a equipe do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio, essas marcas esperam, agora, que a regra para o recolhimento do IPI em novas fábricas apareça junto com o regime automotivo que o governo federal estaria preparando para anunciar em março.
O aumento de trinta pontos percentuais no IPI de veículos que não atinjam o índice de nacionalização mínimo de 65%, em vigor desde dezembro, surpreendeu as empresas com planos de construir no país. Essas montadoras pedem uma regra especial de transição, com prazo médio de quatro anos para atingir o índice de conteúdo nacional exigido pelo governo.
Schiemer, também vice-presidente da Mercedes, não demonstra muita preocupação em relação a isso. Como sequer definiu o projeto, a Mercedes tem tempo até que o governo tome uma decisão. O executivo diz apenas que espera que uma regra específica nesse sentido seja definida.
Tampouco as demais empresas, incluindo as que já anunciaram a localização das fábricas, interromperam os projetos. Há poucos dias, o presidente da JAC Motors, Sérgio Habib, embarcou para a China junto com um dirigente da WTorre Engenharia para tratar da construção da fábrica em Camaçari (BA), prevista para operar em 2014.
Apesar da aparente calmaria, fontes do setor indicam que essas empresas preparam um plano para redirecionar as negociações com o Ministério da Fazenda por entender que há poucas chances de entendimento no Ministério do Desenvolvimento.
O acerto da pendência tributária poderá ser um fator a mais para a direção da Mercedes retomar um sonho frustrado no passado. Existem outras condições favoráveis. O chamado segmento premium atinge no Brasil volume anual em torno de 30 mil veículos. Isso representa menos de 1% do mercado total. Mas as vendas têm crescido de forma sustentável. Em 2011, a Mercedes registrou aumento de 28% nas vendas no país, num recorde de quase 10 mil automóveis.
Não se sabe qual será a reação do consumidor, reconhece, no entanto, Schiemer, diante do reajuste de 15% nos preços, resultado de repasse parcial do aumento do IPI, que vigorará nas lojas da marca nos próximos dias. Mesmo assim, uma elevação de preços no segmento em que a Mercedes atua têm impacto bem menor do que nos carros populares.
Não é apenas o crescente mercado brasileiro que está no foco da Mercedes. A Hungria acaba de receber uma fábrica da marca. Automóveis Mercedes também são produzidos na China, onde, segundo Schiemer, a empresa começa a estudar a possibilidade de ter mais uma unidade. China e Hungria já mudaram, portanto, o perfil industrial da empresa que antes se limitava à Alemanha e Estados Unidos.
O estudo da Mercedes para retomar a produção de carros no Brasil também ganha força com um novo conceito na marca. Uma nova geração de modelos, que está sendo apresentada em todo o mundo em forma de protótipo, traz carros luxuosos mais compactos, voltados para o gosto das novas gerações. Com a possibilidade de usar plataformas menores, a marca consegue, consequentemente, atingir consumidores de camadas abaixo da sua tradicional clientela. São as classes em ascensão, que nunca tiveram um Mercedes, embora sonhem com ele.
Os dirigentes da montadora alemã sabem, no entanto, que é preciso cautela para seguir nesse caminho. O fracasso da primeira tentativa da Mercedes de seduzir classes mais baixas no Brasil deixou sequelas. Inaugurada em 1999 e encerrada seis anos depois, a fábrica do Classe A em Juiz de Fora se transformou numa longa polêmica em torno de renegociação de benefícios fiscais recebidos de Minas Gerais e manutenção de empregos. A novela terminou no ano passado, com a ideia de usar a unidade para a produção de caminhões.
Schiemer, que já trabalhou na área de vendas no Brasil duas vezes – entre 1991 e 1992 e de 2004 a 2009 – disse em outra ocasião que o Classe A deu errado porque “era pequeno demais para ser o carro da família e caro demais para a opção de segundo automóvel da casa”. Mas as coisas mudaram. Não apenas no Brasil, com a ascensão de classes. A nova realidade do mercado mundial também está obrigando empresas como a Mercedes a mudar a rota.